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Psicóloga Danielle Gurgel

Nos tempos modernos, saúde mental é um tema muito discutido entre as pessoas. Seja nas mídias sociais, televisão, trabalho, rádio, escola, faculdade, ou qualquer lugar que seja, certamente você já deve ter escutado falar nesse tema. Há algumas décadas, existia um tabu em relação à saúde mental. Falar sobre transtornos mentais como ansiedade e depressão era considerado “frescura” ou “coisa de gente fraca”. Atualmente, observa-se uma maior facilidade para tratar do assunto. Mesmo com o crescente debate sobre questões mentais, ainda pode haver uma certa resistência entre algumas pessoas. Somado a isso, há também desigualdades nos acessos aos tratamentos psicoterapêuticos.

Danielle Gurgel é psicóloga clínica nas áreas infantojuvenil, adulto, casal e família, há oito anos. Há seis anos, ela integra o EncontroACP, um centro de estudos voltado à formação na psicologia clínica, com foco na Abordagem Centrada na Pessoa (ACP), criada pelo humanista Carl Rogers.

Além de atender como psicóloga, Danielle também atua como monitora dos cursos oferecidos pela instituição. O EncontroACP é criador e mantenedor do Projeto Acolhendo, um projeto social que oferece apoio psicológico através de algumas modalidades de atendimento, de forma gratuita ou com valor social.

Ademais, a instituição também comercializa livros sobre a Abordagem Centrada na Pessoa, contribuindo para a disseminação do conhecimento dessa abordagem terapêutica.

Para saber mais sobre o EncontroACP, clique aqui.

Nessa entrevista, Danielle Gurgel expõe seu ponto de vista profissional sobre a psicofobia na sociedade brasileira atual e sobre questões de desigualdade nos serviços psicoterapêuticos.

Danielle Gurgel - Arquivo Pessoal

Como você enxerga a questão da psicofobia na sociedade brasileira de hoje?

Já melhorou muito, mas depende do corte que é feito. Por exemplo, de qual estado estamos falando. Em São Paulo, a ideia de fazer terapia é muito mais difundida do que uma pessoa em um outro estado, muito no interior. Não é uma lógica, mas muitas vezes o nível econômico da pessoa também interfere. Falo de uma forma geral, mas há muitos recortes, muitas coisas muito mais complexas. Quando se fala de capitais, em São Paulo, por exemplo, a probabilidade de as pessoas terem mais acesso a serviços, sejam eles públicos, de universidades, é muito maior que uma pessoa no interior, que só tem uma faculdade, uma UBS. Se formos ver, a psicologia no Brasil é muito recente, a psicologia no mundo é muito recente em relação a outras ciências. Mas evoluiu demais, as pessoas estão falando mais sobre saúde mental, não como deveria ser o ideal, porém, a galera 30+, 40 para baixo, já fala muito mais de terapia do que já se falou antes. Ainda assim, tem muito preconceito.

O gênero e a faixa etária da pessoa podem influenciar no preconceito contra psicoterapia?

Sim, até porque se analisar, existem muito mais mulheres psicólogas do que homens psicólogos. Em cursos de psicologia, pedagogia e afins, vão haver mais mulheres. Uma coisa que ouvi de psicólogos que estão há muito mais tempo no mercado do que eu, foi que conforme o tempo foi passando, os homens procuraram mais a terapia e que, hoje, por exemplo, muitos homens entre 20 a 35 ou 40 anos estão procurando terapia. Os homens mais velhos acabam tendo um pouco mais de resistência, mas as coisas estão mudando, até em função da internet e do acesso à informação. Depende muito do recorte social. Uma família muito conservadora, independentemente do nível social que ela esteja, vai haver preconceito. Mulheres geralmente procuram mais a terapia do que os homens, mas isso não é regra. Nós, mulheres, somos incentivadas a sentimentos muito novas. Se olharmos os nossos desenhos, as princesas da Disney têm várias crises existenciais. Frozen, Pocahontas, têm crises existenciais de diversas ordens, já os desenhos masculinos, não têm, então isso influencia, além de outros milhares de desdobramentos. A idade também, uma pessoa mais velha talvez tenha uma visão diferente de terapia do que uma pessoa que tem entre 20, 18 anos, ou até mais nova, crianças e adolescentes pedem para fazer terapia.

Quais seriam possíveis medidas para combater esse preconceito ainda existente?

A base da conversa. A função dos psicólogos e da sociedade em geral de diminuir essa questão de que “só faz terapia quem é doido”, mostrar que terapia não é só falar de problemas, que vai muito além disso. Há uma parte muito legal dos memes, mas há uma parte muito chata nisso, que reforça os preconceitos, como por exemplo, com o CAPS, que é uma ideia de luta antimanicomial. As brincadeiras e os memes podem, por vezes, ser engraçados, mas podem carregar preconceito e que incentivam a pessoa a se afastar quando ela precisa de ajuda. O CAPS é um serviço muito bom, que, como qualquer serviço público do SUS, a ideia em si é muito boa, mas são poucos CAPS, para demandas altas. Os profissionais acabam ficando muito demandados, porque lidam com inúmeros tipos de mazelas de todos os níveis sociais, então, a ideia é muito legal, mas poderia ser melhor executada, como muita coisa no SUS, mas dentro do que é dado, os profissionais fazem “milagre”.

A pandemia de COVID-19, sem dúvidas, deixou marcas na saúde mental de muitas pessoas. De que forma você percebe os reflexos desse período nos atendimentos terapêuticos e na sociedade em geral?

Foi muito traumático para inúmeras pessoas, porque muita gente perdeu pessoas e não pôde se despedir. Muitos jovens foram para casa crianças e voltaram para a escola adolescentes, então esse retorno foi bastante traumático para muitas crianças. Muitos bebês não tiveram contato com pessoas por muito tempo. Houveram muitas coisas que ainda afetam muita gente, houve quem perdeu a família inteira, houve quem teve sequelas cognitivas, físicas, adolescentes que perderam parte da sua adolescência em casa, houve uma parte da população que não teve a opção de ficar em casa. Se desdobrou em muitas camadas e são camadas muito pessoais.

Em dados de 2023, foi constatado que somente 5% dos brasileiros fazem psicoterapia. O que poderia explicar esse número tão baixo?

Isso escancara a nossa desigualdade social. Houve uma popularização do atendimento online, muitas pessoas deslumbraram esse atendimento, a pessoa se viu aberta a fazer onde ela se sente confortável. Ainda há muito preconceito e ainda há pessoas que não têm condição de pagar uma terapia. O psicólogo precisa do sustento e os planos de saúde hoje pagam muito mal o terapeuta. Estamos falando de R$8,00 a R$10,00 a hora, para um profissional que precisou estudar muito. Falo por mim, dedico muito tempo, dinheiro e esforço. Esses dados mostram muita coisa que há por trás disso. Faltam bons pagamentos dos planos de saúde, que popularizaria mais a terapia. Esses dados mostram a desigualdade social, em situações em que pessoas que não tem plano de saúde acabam não tendo condições de pagar (uma terapia), mostram uma precariedade do sistema público, porque a ideia do SUS em si, ao ler, é excelente, mas poderia ser muito melhor se não houvesse tanta corrupção, tanto desvio de dinheiro e a nossa ideia de país fosse diferente do que é hoje, pois somos pioneiros em muita coisa.

Na sua visão, quais são os principais desafios enfrentados pelos pacientes de baixa renda em relação à saúde mental?

Qualquer pessoa está sujeita a qualquer transtorno mental. A loucura acontece quando a pessoa não vê mais alternativa para a vida e isso pode acontecer em qualquer nível social. Mas quando não se tem comida na mesa, quando há insegurança do bairro em que se vive, quando se fala de famílias muito precárias, de misérias, quando há necessidades básicas, algumas coisas são anuladas. Não significa que quando a pessoa é pobre, ela terá transtornos (mentais), mas ela fica mais vulnerável, tanto que se chama vulnerabilidade social. Não só a questões mentais, mas físicas também. Um exemplo que me recordo da faculdade é de um caso de uma criança que suspeitavam que ela era muito agitada em sala de aula. Percebia-se que perto do intervalo, ela ficava cada vez mais agitada, então ela poderia ter vários diagnósticos, como TDAH ,TOD, entre outros milhares de rótulos que as pessoas colocam. A psicóloga foi chamada na escola para entender essa criança. Se ela ouvisse a realidade só da sala de aula, ela poderia dar  todos esses rótulos, mas ela foi atrás de entender a realidade daquela criança. Na escola, era o único lugar que a criança comia, então quando ela chegava na escola, ficava com muita fome, por isso, quanto mais próximo do intervalo, mais agitada ela ficava.

O que você diria para alguém que ainda resiste à ideia de procurar ajuda psicológica?

É um processo que acho que a pessoa precisa pensar e deve ser algo que faça sentido para ela, porque a terapia não faz sentido para todo mundo. Seria contraprodutivo ao que eu acredito, todo mundo ser obrigado a fazer terapia, mesmo não querendo. A informação é importante, ir atrás, ver se faz sentido, procurar profissionais, entender que às vezes existem algumas opções como centros de psicologia de faculdades, o Projeto Acolhendo, UBSs, CAPS e outras milhares de estruturas. É importante procurar o que mais faz sentido e pode ser que não faça sentido fazer terapia. Se a pessoa acha que deve, ela deve. Antes de dizer não, talvez seja importante pesquisar, e se não fizer sentido, está tudo bem.